30 abril 2011

DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS

Autor: Sérgio Ricardo de França Coelho
Guarda Municipal de Santos/SP é pesquisador e consultor em segurança pública municipal. Secretario Geral do Conselho Nacional das Guardas Municipais – CNGM, Pesquisador e Diretor do Instituto IPECS de Segurança Pública Municipal, foi fundador e presidente nacional da União Nacional dos Guardas Municipais do Brasil entre os anos de 98 e 2006.

Dois fatos recentes motivaram-me a escrever um artigo sobre este tema. Um deles foi a palestra que assisti há uma semana na comissão de segurança pública da OAB/SP, ministrada pelo ilustre advogado Osmar Ventris. Dias depois li, no blog Os Municipais, um artigo de título “Proteção do Estado” de autoria do não menos ilustre GCM SP Wagner Pereira. Chegando ao local da palestra lembrei que em 1997 estive ali participando de um seminário promovido pela Comissão de Direitos Humanos onde era discutida uma nova proposta para o nosso sistema de segurança pública. Na pauta, os princípios éticos e democráticos na atividade policial, a desmilitarização da policia preventivo-ostensiva e a municipalização com controle social da atividade policial.

Aquele evento marcou minha carreira, embora o país pouco tenha avançado nesta discussão de lá para cá. O ponto comum entre esta palestra e o artigo do nobre Wagner Pereira é que ambos abordaram as distorções que cercam a relação de nossa sociedade com esta quase mitiga figura jurídica que chamamos de Estado. Deveria ser obrigação de todo cidadão livre, antes mesmo de escolher qual profissão seguir, saber ao fundo o que é e o tamanho da influência deste “tal” Estado em sua própria vida. O fato é que os brasileiros não sabem do Estado e o Estado não sabe do Brasil. No artigo “O Estado Não Conhece o Brasil”, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG Aristóteles Rodrigues escreveu: Para que serve o Estado? Quem inventou o Estado que parece ser inoperante no mundo todo e não apenas no Brasil?

Ouvimos falar em cidadania, mas é certo que muitos do que a defende não sabem do que falam. A rigor, o que vem a ser Cidadania se não a consciência de nossos direitos e deveres perante a sociedade e perante o próprio Estado? Por este aspecto tenho dito que a fragilidade de nosso sistema de segurança espelha a fragilidade de nosso Estado. Um Estado que pratica sabotagem contra si, quando disputa o poder entre seus entes federados e seus órgãos diversos. Na luta pela sobrevivência de seus órgãos colocamos em xeque a sobrevivência do povo. No mesmo artigo do professor Aristóteles, outra citação: “Segurança é mais que uma Secretaria de Segurança Pública. Segurança, etimologicamente, significa sem cuidado, despreocupado. Nós inventamos e reinventamos o Estado a cada dia, para que possamos andar sem cuidado, para que possamos andar despreocupados. Se o Estado não serve para isso, para que servirá?”

Seria extraordinário se todos aqueles que falam de cidadania lembrassem que nosso regime já não é mais o imperial e muito menos o feudal, e que nossos cidadãos não são súditos ou vassalos. Em nosso regime, o Estado precisa ser cobrado a cumprir seu papel de proteger a sociedade e regular suas relações.

É justamente ai que reside nosso dilema: O Estado tem assumido tantos papéis que não está conseguindo cumprir suas funções indelegáveis.

Não é exagero afirmar que Ele não tem conseguido garantir o funcionamento das escolas, dos hospitais, e o direito dos cidadãos e as empresas de exercerem suas liberdades em harmonia com suas responsabilidades sociais.

Por fim, o Estado, que não se percebe como sistema aberto e dinâmico, espelho da própria sociedade, não cuida de si, não se defende e não se preserva.

Nosso sistema de segurança e justiça é caro e contraditoriamente lento, ineficiente, burocrático e corrupto. Um sistema que se auto-inviabiliza e caminha para autodestruição por ignorância. Os agentes do Estado ignoram o que é o Estado.

Vejo em toda esta ignorância as razões da falência de nosso sistema de segurança e justiça e a própria origem de nossa sociedade continuar a margem das discussões sobre a participação do Estado-município nos assuntos de segurança pública. O poder de policia das Guardas Municipais jamais seria colocado em xeque pelo próprio estado se estas afirmações não fossem verdadeiras. Como diria Osmar Ventris, o Título V da CF (tema deste artigo), não foi escrito aleatoriamente. Para cumprir suas missões elementares o Estado previu em sua lei maior seus mecanismos de preservação em prol dos interesses daqueles que deve servir. Destarte, enquanto o cinismo prevalecer nas esferas do poder, o Estado brasileiro seguirá seu flagelo de autofagia, sem cuidar devidamente de seus órgãos fundamentais, nem priorizar suas funções mais típicas como a segurança e a justiça de um país. O mais grave é que este flagelo atinge mais a cada dia, a vida privada dos cidadãos acuados pelo medo e pelo desalento. Para alguns este pode ser um diagnóstico simplista. Para outros, um discurso apocalíptico. Eu diria que é apenas uma visão realista.

Enquanto a sociedade aceitar passivamente que sua polícia faça justiça com as próprias mãos será vítima de si mesma. Enquanto a sociedade assistir passiva que esta mesma polícia seja tratada indignamente por seus gestores, continuará sendo vítima de si mesma. Por razões diferentes, mas não menos dramáticas, padecem a Justiça, o Sistema Prisional, o Ministério Público.

O que espero, é que a sociedade desperte para esta realidade e possamos fazer prevalecer de fato, juntos como no texto da Carta Magna, os dois “únicos incisos” do primeiro artigo de nossa constituição federal.

A soberania de nosso Estado e a Cidadania de nosso povo.

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